segunda-feira, 21 de maio de 2012

Texto: Fogo de palha

Dedico este texto às coisas que vêm e que passam. Às fogueiras que eventualmente se apagam e ao fogo de palha que solta tanta fumaça e dura tão pouco.
Sim. O fogo de palha. Título e sujeito principal deste curto texto de caráter indefinido. Tem esse sujeito umas características principais. A primeira, obviamente, como já diz o saber comum, é o fato de que dura pouco. Ainda falta a observação de outras tão importantes quanto ou mais.
Palha não demora a arder, quando menos esperamos já se encontra em nossa frente um certo fogaréu, com o aparente potencial de incendiar o que está em volta. Não se engane. Fogo de palha não inicia fogueira que dure. Digo, não se engane, por experiência própria. Experiência pouca mas própria.
Também por experiência própria, digo que fogo de palha sempre começa de repente, meio sem motivo, sem faísca que o inicie. De repente está lá, surgiu.
Há quem compare fogo de palha também com supernovas, mas supernovas ardem intensamente enquanto fogo de palha somente dá a impressão de arder intensamente. Gera muita fumaça para pouquíssimo fogo.
Mas não subestime, leitor, o poder deste tal fogo. Não é por arder por pouco tempo e com intensidade moderada, não é por não iniciar fogueira maior, que fogo de palha não deixa queimaduras, muitas vezes bastante doídas.
No caso de queimaduras, recomendo uma dose de tempo, que tudo cura.
Talvez não tudo. Não sei dizer. Mas certamente cura uma queimadura feita com fogo de palha, que não pode incendiar e nem crescer demasiadamente.
A verdade é que quando passar esse fogo de palha, caro leitor, quando já estiver cuidando dos ferimentos e lembrando de como ardeu por pouco tempo a palha seca, de como iniciou-se rápido e rápido também se acabou, você, caro leitor, provavelmente vai sentir um pouco de falta deste fogo. Antes ardesse lentamente e durasse uma eternidade. Não é o caso. De vez em quando ainda olhará (olharei) as cicatrizes e pensará (pensarei) no que seria se fosse fogo duradouro. Não há necessidade de reprimir estes pensamentos. São naturais. Mas vai passar.
A grande verdade e o segredo dessa cura milagrosa de queimaduras que parecem tão feias num primeiro momento é que um coração rachado ainda bate entre sessenta e oitenta vezes por minuto. Às vezes mais rápido, devido a atividades físicas ou, eventualmente, um carinho. Seus pulmões (ou meus pulmões) ainda efetuarão corretamente as trocas gasosas e seu (meu) cérebro, embora pareça inutilizável por algum tempo e possa transmitir impressões equivocadas, ainda consegue pensar e se ocupar das funções básicas do corpo. O chão, ao contrário do que você (eu) espera (espero), não vai se abrir e te (me) engolir. E o tempo vai aos poucos fazer esquecer a essência deste fogo.
No fim, tudo voltará a ser como antes, com exceção de uma cicatriz. Uma cicatriz que de vez em quando voltará a incomodar, mas nem por isso vai deixar de ser uma cicatriz e voltar a ser ferimento. Uma cicatriz que pode trazer memórias felizes, caso o ferimento tenha se fechado corretamente. Uma cicatriz que vai ilustrar a personalidade do indivíduo vítima de tal fogo pelo resto de sua vida, mas que não precisará ser uma cicatriz feia. Uma cicatriz disforme, que lembrará um rosto não completamente esquecido, uma voz, uma risada, um sotaque. Uma cicatriz que lembrará uma semana, uma quarta à noite, uns acordares felizes. Uma cicatriz que guardará em si um verde inexistente e belo, dividido em dois pontos brilhantes que de vez em quando se fecham para sonhar uns sonhos lindos que, desejo eu de coração, um dia serão realidade.
Dedico este texto às saudades sentidas e às coisas perdidas, aos erros e aos acertos, às idiotices e às verdades (e também às verdades idiotas). Dedico este texto, como um pedido de desculpas  que faltou, a você. Sem ressentimentos e sem revolta. Sem subentendidos e sem segundas intenções. Com um certo medo. Acontece. Tudo passa. Não significa que não podemos olhar para trás de vez em quando. Obrigado. Desculpe. Talvez palavras inúteis, mas não cabe a mim julgar. Cabe ao leitor. E à leitora. E eu tenho esperanças de que caiba a você.