domingo, 24 de março de 2013

Texto: Liberdade - Uma história infantil

Era uma vez um homem. Um homem alto. Ele usava chapéu.
Chapéu e um terno preto. Com uma gravata preta. Com sapatos pretos. Meias pretas. Acho que a única coisa branca no homem era a camisa. Uma camisa branca. O homem alto de chapéu usava uma camisa branca.
Mesmo a camisa branca tinha listras pretas, mas em sua maioria, era branca.
O homem alto de chapéu, terno preto, gravata preta, sapatos pretos, meias pretas e uma camisa branca com listras pretas mas que era mais branca do que preta trabalhava numa firma de advogados onde todos usavam chapéus, ternos pretos, gravatas pretas, sapatos pretos, meias pretas e camisas brancas, às vezes com listras pretas e às vezes sem listras. (Ufa! Um ponto final!)
Ele trabalhava bastante e sempre chegava em casa bem tarde. Ele sempre chegava em casa cansado. Comia a comida fria do jantar que já fora tirado, dava um beijo nos dois filhos já adormecidos e na esposa, que dificilmente estava acordada, e dormia. De manhã ele acordava os filhos e levava eles na escola. Depois ia trabalhar.
Uma vez, num dos poucos fins de semana que o homem de preto tirou de folga, ele levou os filhos em um restaurante. O filho mais velho estava aprendendo a ler e ficava perguntando tudo o que lia.
Ele leu 'Rua da Liberdade'. Ficou imaginando uma mulher que se chamasse Liberdade e que fosse dona da rua. Ele imaginou uma velhinha gorda e com cara de quem sabe cozinhar muito bem.
Um pouco mais pra frente ele leu 'Praça da Liberdade'. Ele achou que ia ser muito estranho se a velhinha que cozinha bem fosse dona da rua e da praça. Como é que alguém pode ser dono de uma rua e de uma praça?!
Então ele pensou que Liberdade devia ser alguma firma como a do pai dele, que tinha bastante dinheiro e podia comprar ruas e praças e dar nomes pra elas.
Um pouco depois ele viu uma placa que dizia só 'Liberdade' e que ficava na frente de uma construção engraçada, que tinha uma escada no chão que parecia que descia pra sempre. Daí ele não entendeu mais nada.
-Pai, o que é liberdade?
O homem de preto, que nesse dia nem estava de preto, pensou um pouco e respondeu com as suas palavras difíceis de advogado:
-Liberdade é o estado das pessoas livres.
-Ah! -respondeu o filho mais velho. Depois pensando mais um pouco falou -Mãe, o que é liberdade?
-Filho, liberdade é quando você não tem que obedecer nenhuma regra e pode fazer tudo o que você quer!
O filho mais velho pensou mais um pouco. Liberdade. Palavra bonita.
Mas por que será que as pessoas estavam entrando em baixo da terra pra ir pra Liberdade?
-Mãe, pra 'estar na' liberdade você tem que estar sozinho?
A mãe fez uma cara confusa e pensou um pouco antes de responder:
-Sozinho sozinho não precisa estar, pode ter um pouco de gente com você. Mas se tem muita gente você já acaba tendo que seguir alguma regra, entendeu?
O filho não respondeu. Ele pensou nos seus amigos, nos seus pais, nos seus avós, nos seus primos, nos seus professores e no seu irmãozinho, que às vezes era muito chato, mas que ele brincava bastante.
-Deve ser bem chato 'estar na' liberdade.
A mãe franziu o cenho com uma cara pensativa, pensou em dizer alguma coisa, desistiu. Pensou de novo e desistiu de novo. Por fim levantou os ombros. 'Cada coisa que as crianças sabem esses dias', pensou ela.
O carro parou na frente do restaurante. A família desceu enquanto o pai ia estacionar na esquina.
Liberdade. Palavra bonita.