domingo, 21 de outubro de 2012

Texto: Uma lembrança

Eis que surgiu mais uma vez,
dentre os túmulos ocupados pelos putrefatos
(e velhos
e sujos
e soltos)
corações,
um sorriso,
um olhar,
uma lembrança.

Eis a Garota da Gávea
a roubar meu coração
com seus olhos verdes
ao som duma canção.

E havia de ser numa noite de chuva
que o calor,
ironicamente,
viria a reviver minhas esperanças
podres,
largadas,
esquecidas,
maltratadas,
subestimadas.

E meu coração
havia de insistir em vagar
em vão.
Perdido, como sempre
nos labirintos
dos teus olhos.

Só me prendo entre teus beijos.
Só me esqueço em teus abraços.
Só me enrolo em teus cabelos.
Só me encontro,
perdido,
nos teus olhos.

E se só me prendo entre teus beijos,
se só me esqueço em teus abraços,
se só me enrolo em teus cabelos,
se só me encontro,
perdido,
nos teus olhos
(labirínticos),
há de ser pela sorte
de te saber
perfeita.

Já me esqueço de esquecer,
como d'outra feita,
num dia de sol.
Mas a chuva cala
em sua voz úmida
o silêncio da noite
e eu já sonho em sonhar
acordado
sempre.

Em momentos de clareza
que só me vêm na escuridão,
eu já sonho
viver
de poesia.

Independência
é
morte
e hoje
eu só quero
viver.

Dependência
de pendência.
Venho cobrar
depender
de te saber
minha,
por uma dose
diária
de felicidade.

Eis que surgiu mais uma vez,
dentre os túmulos ocupados
pelos assassinados corações,
você.
Trazendo teu dom
de expulsar a tristeza
ao sorrir.

Já nasceu o sol.
Agora só espero os rojões
a celebrar o fim do dia 30 de janeiro,
que me obriga a lembrar, todo dia,
de você.
E nesse novo dia,
quando o sol nascer,
eu então poderei
escolher não te esquecer.
Jamais.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Texto: O homem invisível

Tem um homem deitado no chão da praça. Suas mãos em concha deixam claro seu objetivo. Seus olhos estão fechados, como se estivesse rezando.
Passam vários outros homens. Não param. Não olham. Não pensam. Só passam.
Parecem saber alguma coisa. Mal sabem que o que lhes espera, espera também o homem deitado no chão da praça.
Cai uma moeda. O homem do chão sorri, sem abrir os olhos, deixando à mostra seus poucos e amarelados dentes.
Dia após dia a mesma coisa. O homem cata as migalhas para comer. Como uma pomba. Mas não pode voar. Ainda.
O homem deitado no chão da praça não vive. Sobrevive. O homem deitado na praça não dorme. Desmaia. O homem deitado na praça não pensa. Age.
Tem um homem deitado no chão da praça. Suas mãos em concha deixam claro seu objetivo. Seus olhos estão fechados, como se estivesse rezando.
Passam vários outros homens. Eles não pensam, não param, não olham. Eles passam. Passa um cachorro. Para. Lambe a cara do homem deitado no chão. Dá três ou quatro passos para trás. Começa a ganir. Depois de um tempo vai embora.
Os homens não vêem. O homem não está deitado no chão. Está jogado. Quem o jogou lá foram outros homens.
Agora o homem não agradece mais as moedas com seu feio sorriso.
O cachorro não chega mais perto. Parece temer algo.
Os homens agora param. Parecem se interessar. O cheiro os espanta. Logo não passam mais homens ali.
Voa um abutre. Pousa. Come. Ninguém nota.
O abutre acaba sua refeição. Os homens voltam a passar por ali.
É como antes.
Não houve nada. Ou ninguém viu.

domingo, 2 de setembro de 2012

Texto: Maré alta

Você se lembra? Eu lembro tudo! Como se fosse ontem, hoje, amanhã. Não. Amanhã não. Amanhã estou ocupado, tenho que fingir fazer as obrigações que dizem ser minhas. Mas hoje. Como se fosse hoje.
Provavelmente amanhã também. Fingirei fazer minhas obrigações (?), mas a quem engano? Ainda lembrarei. Talvez perceba até mais detalhes.
Sabe, outro dia me veio uma revelação. Lembra daquela cor que eu não sabia qual era? Não deve se lembrar, algumas pessoas tem o dom de esquecer o que querem. Mas faz um esforço, a memória já vem. Bom, adivinhei a cor. Isso mesmo, depois de tanto tempo, dá pra imaginar?
Qual é? Vamos deixar para o fim, pode ser? Não que tenha muito o que falar também, quase nada, mas deixemos para o fim a cor, já nos dá um motivo para prolongar o nosso diálogo com indícios de monólogo.
Como vai? Passa bem? Mentirosa! Quem me dera poder olhar na sua cara, nos seus olhos e perceber a dificuldade que tem para manter a pose. E que pose! Um sorriso no rosto, talvez até desnecessário, e uma risada semi-alegre da qual já gostei mais. Ainda não sabe controlar os olhos, estes divagam a cada chance numa lembrança.
Minhas lembranças são mais fortes. Sou um vidente às avessas, posso ver todo o passado e todos os caminhos que não seguimos. Que não segui. Que segui sozinho e me perdi. Não sei. Pouco importa. Eu não esqueço nada.
Tanto faz. Estou pronto. Vou embora. Há quem ache que já fui. Não, esperei. Você não apareceu. Adeus. Adeus. Parto. Desse parto nascerá um novo eu. Nascerá, já nasceu, nascerá, já nasceu. Não, não nasceu. Mas nascerá. Já não é possível realizar o aborto. Tarde demais. Será? Serei. Serei o Poeta do Fim do Mundo, relatarei a beleza do caos a se impor sobre a beleza do amor. A beleza de um relâmpago toma o lugar do pôr-de-sol. Os últimos suspiros o lugar dos suspiros de amor. As tempestades o lugar das calmarias.
Entre as cartas de amor rasgadas e não enviadas, entre as flores jogadas no lixo e as recebidas sem entusiasmo, entre as últimas esperanças tolas e as esperanças já acabadas, caminho eu.
Tombasse o medo do céu, lutariam pela sobrevivência também os apaixonados. O verdadeiro amor, suicídio, não sobreviveu. Foi esquecido entre os ridículos filmes hollywoodianos.
A última carta de amor de um soldado há de encontrar sua amada perdida nos braços de outro homem. Eis o amor, traidor dos iludidos.
Os gemidos e rangidos das inúmeras camas dos motéis mais baratos da Cidade culpam o governador pela sujidade da raça humana.
Esqueça, deixe as lembranças comigo. Eu não esqueço nada. Não permitem. Não me ajudam. Eu não esqueço nada.
O meu maior pesadelo é acordar toda manhã dos sonhos que não foram reais. Eu não esqueço nada.
A minha esperança foi esperar desesperado um acontecimento inesperado. Não veio. Eu não esqueço nada.
A cor? Sim, a cor, voltemos à cor. Teus olhos são verdes da cor do mar. Eu, Lua, já controlei estas marés. Devo ter errado, não sei. Finjo não saber. Finjo saber. Sei. Não, não sei. Descobriria, mas agora estou afogado nesta maré alta que devo ter causado. Eu não esqueço nada.
Não. Bandeira branca. Eu desisto. Não posso mais. Não quero mais. Deixem-me sozinho, preciso de companhia. Eu não esqueço nada e as minhas memórias tem tal força que podem povoar também os seus sonhos!
Serei agora o Poeta do Fim do Mundo, a cantar em versos brancos a beleza do caos. Alguns iludidos ainda tem esperanças de que tudo isso acabe em soneto. Não há esperanças. Eu sei. Eu não esqueço nada.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Texto: Abstrato

Começou a cair o mundo e o meu mundo já caiu faz tempo. E antes que você descubra, vou deixar claro que eu que invento.
E eu não quero mais sair de casa, essa chuva já está bem forte. Chuva de águas passadas que voltam por debaixo da ponte, a mover todos os moinhos e a invadir meu eu, desmunido de armaduras e muralhas depois que meu mundo caiu.
Essa gente é tão triste, existe e não sabe mais o que fazer. Mas finge que sabe tão bem que algum dia pensará saber. A verdade é só questão de opinião, de educação e de uma propina amiga que nunca atrapalha aos bem munidos.
Mas a minha munição acaba e atiro contra o vento. As suas muralhas não caem e eu não sei o que há por dentro. Pois num último suspiro, já te digo o que aconteceu. Estão todos enganados, e aquele não era eu.
A vida passou de manhã, mandou lembranças, não quis te acordar. E estas lembranças felizes te lembram de tudo o que não quer lembrar. Te lembram que a vida existe e que é você quem não quer viver. Te dizem que te enganaram, que não é isso que quer pra você.
A viva chegou de Paris, vai te abraçar, perguntar como está. E você vai dizer que está bem, deixando a sua alma a suspirar.
Ah, nem os ventos quentes trarão o que passa de volta aqui. O que passa passa por cima, te atropelando e fazendo doer. Doer as feridas abertas que expôs ao sol e não quis curar. Bem sabe que nunca gostou muito de médicos, mas a sua alma putrefata dói e já não há o que fazer.
E pode dizer que foi sorte o meu mundo cair antes disso. Mas eu sofro também quase em dobro pelo que ainda vai te acontecer. Eu te estico uma mão (desespero!) e você se recusa a aceitar. O seu orgulho é tão grande que eu não poderia aguentar.
Segunda estava sol, amanhã já não posso saber. E o amanhã já é hoje, aconteça o que acontecer.
Já é parte do saber comum, estou de férias, não posso aprender. Então te ensino agora que falta uma hora pra eu te esquecer. Porque eu invento as minhas mentiras e a verdade eu finjo não ver, mas a verdade é que bem no fundo, eu já não sei se gostei de você.
Concordamos, o louco sou eu, mas a minha loucura é sã. Pois sim, é tudo pensado, tem um fluxo e eu não quero seguir. Este fluxo me leva pro ralo e ninguém sabe o que tem ali. E você diz ser contra o fluxo, mas o fluxo te envolve inteira. Não pode se destacar enquanto desce a ladeira.
Preciso fazer minha mala, agora eu vou viajar. Mando salves aos que ficam parados no mesmo lugar.
Pode ser que espere pra sempre até o seu príncipe chegar. Pode ser que aposte num sapo que nunca vai te salvar. A verdade é que eu passei e você não quis me aceitar. Perguntou-me aonde eu ia e falei que pra outro lugar.
Eu também quero saber com quem (!), mas mesmo assim tudo bem. O maior sonho da sua vida foi por acaso morrer sem ninguém?
Pode explodir, não apoio e também não fico pra ver. Mas já sabemos que é você quem ganha em qualquer discussão que venhamos a ter.
Tudo passa? Passa, mas você não sabe o que quer dizer. Quer dizer que o que queremos temos que mostrar querer. Temos que manter conosco o cobertor a nos aquecer, senão morreremos de frio e de não ter o que fazer.
Vai ao restaurante. A escolha é sua, mas nada no cardápio te agrada. Pois é o primeiro passo pra deixar dessa vida cansada. Mas prefere escolher o óbvio, o que todo mundo pediu. Já as suas experiências, o tempo levou, ninguém viu.
Se o dia nasceu, a noite ruiu, as minhas muralhas eu reconstruí. E o que você vê é um espelho, das eternas ruínas de ti.
Água mole em pedra dura tanto bate até que cansa. Você ainda me deve aquela última dança.
E eu peço que você me ataque, não é o que quer fazer? E não sabe que me atacando, está atacando você?
Ah, mas a noite começa e você já quer ir dormir. Pelo jeito já está cansada, cansada de não existir. Mas ninguém sentirá sua falta, virá outra protagonista. E ao invés de lamentos, você terá que ouvir o som das palmas de dentro de sua cova rasa.
Ah, mas é só mais uma pintura abstrata, só que dessa vez é real. E se você não entende deve ser porque é normal.
Normal. Comum. Ordinária. Talvez se destaque a cor dos olhos. Não deve ser única também.
E eu sou louco, esqueceu? Mas sou eu que governo o meu mundo, e já não tem mais lugar pra você. Me atacaram, mas aquele não era eu. Me confortaram, mas aquele não era eu. Me acolheram, mas aquele não era eu. Sinto muito. Só não tanto quanto você.
A transparência de um vidro blindado às vezes deixa transparecer a falsa fragilidade que parece nos envolver. Já com você é o contrário, suas paredes são de gesso. Mas já estão desmoronando e estou vendo que não te conheço.
Passe as férias no mar. Eu passo nas abstrações. E quem encontrar sentido entre pro grupo das aberrações.
Sinto falta de sentir falta. Diga o que quiser.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Texto: Registro de atendimento

O paciente se apresentou ao nosso pronto socorro nesta tarde de quarta feira reclamando de constantes dores no peito, falta de ar, dificuldade para dormir e para pensar. Após diversos exames de rotina, que não constataram nenhum mal identificável, pudemos observar a origem do problema: a ausência de um órgão vital, o coração.
Não há necessidade alguma de esclarecer que todos ficamos extremamente encantados e desorientados com tal fato, nunca antes observado em toda a história da medicina moderna.
Sem poder fazer qualquer tratamento imediato, optamos por questionar ao próprio paciente, a origem de tal mal.
"Falta-me há dois meses. Foi-me roubado, quebrado e agora se encontra perdido em algum lugar desconhecido, escondido entre as ruínas da vida que não tive".
A maior dúvida entre todas as gigantes dúvidas que se apresentaram após o diagnóstico, foi como tal paciente permanecia vivo. Diz ele que também não sabia, mas que imaginava ser por não ter motivos para morrer. Registramos aqui suas exatas palavras após tal pergunta: "Pensei nisso também. Vai ver que já estou morto e não percebo. Acho que ainda respiro, ainda penso e ainda 'sobrevivo' (notamos uma certa ênfase no 'sobre') por não ter motivos para cair morto. Não, não morro. Não morro porque meu coração despedaçado e perdido ainda bate em algum canto desta Terra, no chão no qual foi jogado por aquelas mãos tão lindas que eu tive o prazer de segurar uma vez".
Tratando-se de um "furto", ou até mesmo de um sequestro de coração, decidimos encaminhar o caso à polícia. O paciente antes de ser interrogado pelos policiais, ainda disse em alto e bom som, mas sem endereçar tais palavras à ninguém "Se é para morrer, prefiro morrer nos teus braços".
A polícia, talvez mais desorientada do que nós naquele primeiro momento, nos devolveu o paciente dizendo tratar-se de um assunto meramente médico. Tal paciente havia entregado de boa vontade seu coração e não poderia, portanto, reavê-lo a força. Além disso, somente o próprio paciente poderia encontrar este coração, não tendo a polícia nada que ver com o assunto.
Levemente indignado com o fato de o paciente saber a localização de tal coração, até onde sabíamos necessário a vida, perguntei-lhe o porquê de ele não poder reavê-lo. Diz-me o paciente que já não lhe pertence tal coração e que, dentro de si, ainda tem esperanças de que ele esteja bem guardado.
Baseado no que pudemos observar em relação a tal paciente, acreditamos que ainda lhe restem anos de sobrevida, na qual poderá ainda ter suas ilusões de felicidade e, quem sabe, até possa ter umas felicidades reais. Sua única esperança de vida (e não sobrevida), porém, é que seu coração lhe seja devolvido ou lembrado.
Não podendo deixar por mais tempo a cavidade torácica vazia, optamos por colocar no lugar onde estaria o coração uma pedra, que ocupe o espaço e que evite maiores danos. Contamos com a frieza de tal pedra para evitar que tal paciente novamente se machuque, mas não acredito que isto possa ajudar a curá-lo. Além disso existem grandes possibilidades de esta pedra machucar outros corações com os quais o paciente faça contato a partir de agora.
Terminamos este registro de atendimento com mais uma declaração marcante deste paciente que acreditamos ser extremamente relevante ao seu caso: "Sabe doutor, eu fui enfeitiçado. Aqueles olhos verdes me fizeram perceber que eu queria ser muito feliz. No fim acabei-me preso no labirinto daqueles olhos. Creio que não fosse isso, não teria aprendido o que é viver. Viver é acordar mais cedo do que você precisa só pra responder uma mensagem de 'bom dia'. É chamar o que não é seu de seu. É buscar modos de elogiar alguém a cada frase, a cada palavra. Viver é a incerteza misturada com a certeza e com a não necessidade de saber o que é certo. Viver é uma droga doutor. Estou há dois meses na abstinência, mas ainda fico com aquele gosto de quero mais. Mas algum dia eu ainda vou ver aquele pôr-do-sol e vou me lembrar que foi muito bom. E ainda vou lembrar que eu estraguei tudo, que fiz tudo errado, mas que possivelmente se fizesse certo também não conseguiria acerto maior. Só fico pra sempre com esta dúvida."
O ser humano é um ser indecifrável, que pode ao mesmo tempo fazer um ato heroico e morrer de medo. Hoje, a grande maioria é movida pelo medo. O medo de encontrar em tantos outros peitos uma pedra a bater, o medo de perder os motivos e o estranho medo de tentar reavê-los (que deriva do medo de ferir alguém mais ainda). O medo de que nos falte e o medo de que nos sobre. E acima de todos estes medos está o medo de amar, responsável pelas tantas pedras que hoje ocupam a cavidade torácica de inúmeros homens e mulheres.
Tenho medo.
O que será de mim?

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Texto: Jogo de rimas

Ó noite sem fim, repleta de sim, desperta em mim um anseio por mais e melhor. Ó noite sem fim, não seja ruim e permita assim mais uma vez a lembrança d'outra noite.
E abra os teus braços aos vários abraços, traços escassos dos laços e amassos que a passos largos a gente caminha a esquecer.
Oh! O amor e a dor, a lembrança da cor e a flor que não vais receber. Oh! O pudor de se expor, não será indolor e se for não será tanto assim. Oh! O amor invasor, impostor, veio ao sol se pôr e à chegada da noite sem fim.
Só me abraça que passa, coração descompassa, meu destino se traça, o meu braço te enlaça e o medo esfumaça. Quem passa faz graça, me lembra da praça que eu não posso esquecer nunca mais.
Ah, mas que mês mais feliz! E eu fiquei por um triz de esquecer como foi bom demais. Ah, já não sei o que fiz, o que quis, fomos tão infantis, imbecis, cicatriz que eu olho e não quero perder. Ah, eu queria um bis, elogios sutis, sem as partes hostis que só podem servir pra aprender.
Quero ser escritor amador a pintar sem a cor uma história de amor pra você.
Quero ouvir a canção, violão, eu sentado no chão, coração na mão e pensando somente em você. Também já não sei se estou são, mas espero que não, vou entrar no avião e voar, decolar pra te ver.
Ó noite ruim, não acabe assim. Volta logo pra mim, só preciso de um sim pra então nunca mais te esquecer .
Ó noite feliz e os meus sonhos de giz se apagam com os primeiros traços do amanhecer.
Ó senhora noite, mãe dos sonhos e pesadelos, contos de fadas e histórias de terror, protetora dos suspiros, serenatas e sussurros ao pé do ouvido. Ó senhora noite, me protege do dia que vem e que passa, me amassa numa corrente de querer e não ter, não poder, não saber, não poder escolher esquecer. Me protege do dia que vem me lembrar do fim da noite e dos sonhos.
Ó senhora noite, sinto a tua falta. "Vai ficar tudo bem", não quero mais ninguém. Mas posso viver sem, quero tanto o seu bem mas entendo também não querer ir além.
Ó noite sem fim. Pena que estás acabada. Sentirei a tua falta e te reencontrarei nos meu sonhos. E qualquer dia sentado numa pedra à beira do mar, verei o sol se pôr e lembrarei de você, noite boa que ficou de voltar e nunca mais voltou. Lembre de mim também e guarde sempre no brilho de tuas estrelas tua felicidade inesquecível e inigualável. Adeus noite. Já é hora de acordar.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Texto: Fogo de palha

Dedico este texto às coisas que vêm e que passam. Às fogueiras que eventualmente se apagam e ao fogo de palha que solta tanta fumaça e dura tão pouco.
Sim. O fogo de palha. Título e sujeito principal deste curto texto de caráter indefinido. Tem esse sujeito umas características principais. A primeira, obviamente, como já diz o saber comum, é o fato de que dura pouco. Ainda falta a observação de outras tão importantes quanto ou mais.
Palha não demora a arder, quando menos esperamos já se encontra em nossa frente um certo fogaréu, com o aparente potencial de incendiar o que está em volta. Não se engane. Fogo de palha não inicia fogueira que dure. Digo, não se engane, por experiência própria. Experiência pouca mas própria.
Também por experiência própria, digo que fogo de palha sempre começa de repente, meio sem motivo, sem faísca que o inicie. De repente está lá, surgiu.
Há quem compare fogo de palha também com supernovas, mas supernovas ardem intensamente enquanto fogo de palha somente dá a impressão de arder intensamente. Gera muita fumaça para pouquíssimo fogo.
Mas não subestime, leitor, o poder deste tal fogo. Não é por arder por pouco tempo e com intensidade moderada, não é por não iniciar fogueira maior, que fogo de palha não deixa queimaduras, muitas vezes bastante doídas.
No caso de queimaduras, recomendo uma dose de tempo, que tudo cura.
Talvez não tudo. Não sei dizer. Mas certamente cura uma queimadura feita com fogo de palha, que não pode incendiar e nem crescer demasiadamente.
A verdade é que quando passar esse fogo de palha, caro leitor, quando já estiver cuidando dos ferimentos e lembrando de como ardeu por pouco tempo a palha seca, de como iniciou-se rápido e rápido também se acabou, você, caro leitor, provavelmente vai sentir um pouco de falta deste fogo. Antes ardesse lentamente e durasse uma eternidade. Não é o caso. De vez em quando ainda olhará (olharei) as cicatrizes e pensará (pensarei) no que seria se fosse fogo duradouro. Não há necessidade de reprimir estes pensamentos. São naturais. Mas vai passar.
A grande verdade e o segredo dessa cura milagrosa de queimaduras que parecem tão feias num primeiro momento é que um coração rachado ainda bate entre sessenta e oitenta vezes por minuto. Às vezes mais rápido, devido a atividades físicas ou, eventualmente, um carinho. Seus pulmões (ou meus pulmões) ainda efetuarão corretamente as trocas gasosas e seu (meu) cérebro, embora pareça inutilizável por algum tempo e possa transmitir impressões equivocadas, ainda consegue pensar e se ocupar das funções básicas do corpo. O chão, ao contrário do que você (eu) espera (espero), não vai se abrir e te (me) engolir. E o tempo vai aos poucos fazer esquecer a essência deste fogo.
No fim, tudo voltará a ser como antes, com exceção de uma cicatriz. Uma cicatriz que de vez em quando voltará a incomodar, mas nem por isso vai deixar de ser uma cicatriz e voltar a ser ferimento. Uma cicatriz que pode trazer memórias felizes, caso o ferimento tenha se fechado corretamente. Uma cicatriz que vai ilustrar a personalidade do indivíduo vítima de tal fogo pelo resto de sua vida, mas que não precisará ser uma cicatriz feia. Uma cicatriz disforme, que lembrará um rosto não completamente esquecido, uma voz, uma risada, um sotaque. Uma cicatriz que lembrará uma semana, uma quarta à noite, uns acordares felizes. Uma cicatriz que guardará em si um verde inexistente e belo, dividido em dois pontos brilhantes que de vez em quando se fecham para sonhar uns sonhos lindos que, desejo eu de coração, um dia serão realidade.
Dedico este texto às saudades sentidas e às coisas perdidas, aos erros e aos acertos, às idiotices e às verdades (e também às verdades idiotas). Dedico este texto, como um pedido de desculpas  que faltou, a você. Sem ressentimentos e sem revolta. Sem subentendidos e sem segundas intenções. Com um certo medo. Acontece. Tudo passa. Não significa que não podemos olhar para trás de vez em quando. Obrigado. Desculpe. Talvez palavras inúteis, mas não cabe a mim julgar. Cabe ao leitor. E à leitora. E eu tenho esperanças de que caiba a você.

sábado, 21 de abril de 2012

Texto: Umas coisas de nada...

Um cumprimento tímido. Uma piada sem graça. Uma risada escondida. (Um sorriso lindo). Um sotaque carioca. Umas tantas horas. Uma intimidade crescente.
Uma conversa. Um sorriso. Um texto. Uma lágrima (será uma lágrima?). Uma fugida das regras. Um pedaço de chocolate. Umas tantas palavras perdidas. Uma frase de pouco sentido. Uma idiotice. Aquele mesmo sorriso. (Tão belo). Um par de olhos lindos (de que cor serão?). Um boa noite sem graça. Um sonho louco.
Um bom dia. Um ombro. Um abraço. Um lanchinho. Uma vontade. Um certo medo. Um erro de letra. Um abraço apertado. Umas tantas palavras. Uma segunda chance. Uma felicidade. Um elogio soprado ao ouvido. Uma vontade doida.
Uns violões ao ar livre. Umas músicas repetidas. Umas estrelas no céu (onde estão?). Uma história engraçada. Uma indireta. Uma bem direta. Um beijo escondido. Um casaco. Uma vergonha. Um boa noite tímido. Uma vontade de acordar logo para poder continuar sonhando.
Um abraço. Um bom dia. Um cansaço. Um aconchego. Um showzinho. Uma alegria. Umas crianças. Um sorriso (lindo, lindo, lindo, lindo, lindo). Dois olhos (lindos, lindos, lindos, lindos, lindos). Uma piscina (!). Um frio. Uma despedida. Uma brincadeira idiota.
Uma viagem de ônibus. Umas provocações. Um beijo roubado. Um beijo esperado. Um beijo conquistado. Um concerto ruim. Um sono. Um jantar. Uma viagem de ônibus (de novo!). Um vou não vou. Fico não fico. Durmo não durmo. Beijo não beijo. Umas tantas outras dúvidas. Um sonho impossível. Um adeus meio triste.
Uma viagem comprida. Um sono pesado. Um silêncio sentido. Um falo não falo. Um quero não quero. Um quer ou não quer (?). Um medo tão grande. Uma timidez absurda. Um almoço horroroso. Uma pergunta engasgada. Uma resposta tão triste. Uma vontade tão louca. Uma chegada. Um número de celular. Uma apresentação. Uma fugida. Uma festa. Uma hora. Uns carinhos. Uns elogios. Uma saudade. Uns beijos. Umas loucuras. (Uns loucos). Uma tranquilidade. Um fim de festa. Uma esperança? Uma tentativa? Uma possibilidade? Um sonho? Dois? Mil? Um adeus enrolado.
Um bom dia tão triste. Tão só. Tão terminal. Uma despedida desesperada. Uma lágrima solitária rapidamente escondida.
Uns quatrocentos e sete quilômetros. Umas palavras trocadas. Uma impotência.
Umas coisas de nada que de repente viram tudo do avesso. Umas pessoas que sem conhecer direito parece que conhecemos pela vida inteira. Uma certeza de que esse avesso é mais feliz e mais correto do que aquele certo tão racional.
Umas coisas de nada que nos marcam.
Umas coisas de nada que sonhamos viver.
Umas coisas de nada que passam.
Umas coisas de nada que ficam para sempre, como um sonho realizado, como uma manhã de sol num sábado, como uma praia no verão, como um beijo de despedida, como um reencontro aguardado.
Umas coisas de nada que acontecem com todo mundo.
Umas coisas de nada que são tudo o que temos.
Umas coisas de nada que às vezes deixamos escapar.
Umas coisas de nada que mudam nossas vidas. Outras que vamos esquecer com o tempo.
Umas coisas de nada. São tudo o que eu quero. De volta.

domingo, 15 de abril de 2012

Notícia: Futebol

Piermario Morosini. 25 anos. Jogador de futebol.
Aos quinze anos participa da seleção sub-17 italiana. Meio campo. Categorias de base da Udinese. Sua mãe falece no mesmo ano.
Dois anos depois tem a chance de se tornar profissional. Continua nas seleções de base italianas. Seu pai morre. Pouco depois seu irmão. Sua estreia é adiada.
Em 2005, aos dezenove, estreia como profissional pela Udinese. Só joga cinco jogos pela equipe. Não marca gols. Não se destaca. É emprestado pela equipe ao Bologna, time da série B italiana.
Os empréstimos ficam constantes. Não se firma. Não vai para a seleção principal italiana.
Não fica muito tempo em nenhum clube. Passa por seis até 2012. Em Janeiro chega ao seu novo destino, o Livorno, time que sonha com os anos de glória que já teve. Agora, série B.
Seguiu seu sonho. Nada deu certo. Mas ainda sonha.
Em Março aumenta a carga de treinos. Muda a dieta. Espera conseguir resultado.
Começa Abril. No dia 13 o Livorno se prepara para um jogo contra o Pescara. Ocupa somente a décima sexta colocação na tabela da série B. Trigésima terceira rodada. Livorno tem que ganhar para garantir a permanência na série B.
Vinte e cinco minutos de jogo. Livorno vence por dois à zero. Piermario joga.
Trinta e um minutos. Livorno no ataque. Piermario tropeça. Levanta. Tropeça. Levanta. Tropeça e já não levanta mais. O jogo pára. A respiração pára. O coração pára. Médicos tentam reanimá-lo. Em vão. A ambulância não consegue entrar no estádio. Um carro de polícia bloqueia a passagem. O policial provavelmente assiste o jogo. Quebram o vidro, soltam o freio de mão e empurram o carro. Dez minutos depois de o mundo parar a ambulância entra. Piermario é colocado lá dentro com vida. Tem três paradas até chegar ao hospital. Chega morto.
Não deixa filhos. Só o que lhe resta da família é a irmã. É cruel dizer que esta não sentirá sua falta. Verterá suas lágrimas e enterrará o irmão, mas já não o via há anos e não o conhecia bem. Não, não sentirá falta por muito tempo.
Em uma semana, talvez um mês, seu nome estará esquecido. Sua história então já não é conhecida. Os torcedores lamentam o adiamento da rodada.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Texto: Supernova

Algumas coisas não foram feitas para durar.
Brilham com tamanha intensidade de luz, irradiam tamanha alegria que ao acabarem (sempre de repente) deixam em seu lugar um buraco negro, consumindo o calor a nossa volta.
Esse foi o caso da minha cachorrinha Sofia.
Um certo dia ela apareceu, não se sabe bem como nem de onde. Ouvi que estava em uma caixa cheia de cachorrinhos abandonados. De algum modo chegou em mim. Ficou cerca de uma semana sendo chamada de "cachorro". No fim virou Sofia.
Sofia chegou em casa com menos de um mês de vida. Era uma bola de pêlo. Não sabia nem andar direito! Aprendeu rápido. Só não sei se foi antes ou depois de aprender a morder. Também não demorou pra crescer. E como cresceu!
Ficou bonita, o pêlo liso, parecia cachorra de raça! E como era engraçada. Gostava de morder os calcanhares das pessoas, sem machucar, só pra provocar mesmo. Além disso tinha o péssimo costume de destruir (mesmo!) qualquer meia que encontrasse pelo chão.
Meu outro cachorro tinha horror a ela! Depois acostumou, ficaram "amigos". Ela não descolava dele e nem ele dela.
Uma vez ela destruiu minha meia.
Uma vez mordeu minha orelha.
Uma vez roubou um pedaço de pão da minha mão.
Uma vez rasgou minha camiseta preferida.
Uma vez sentou em cima de mim e ficou lambendo minha cara.
Percebia quando eu estava triste ou feliz (não que isso significasse mais ou menos mordidas).
Como ela era a "invasora" na casa e já tínhamos um cachorro macho, decidimos castrá-la.
No dia treze de Abril de 2012, Sofia teve uma reação a anestesia e morreu.
Toda a luz e alegria que emitiu é insuficiente para cobrir o gigante buraco negro de sua ausência.
Viveu intensamente e o de repente de sua morte tira todo o meu amparo.
Fico a imaginar latidos, sonho acordar com lambidas. Não vem...
Viveu intensamente e estará para sempre na memória dos que apreciaram esta existência linda.
Viveu...
Intensamente...
Só me resta a saudade e a lembrança.