domingo, 21 de julho de 2013

Texto: YOLO

Talvez até quisesse amar, ser amado, chorar e sorrir, seguir os padrões antigos de felicidade de cinema. Tinha porém um problema: só iria viver uma vez!
Isso, só uma vez! E nem era pra sempre! Olhe só! Sendo assim, abdicava completamente ao comprometimento e, quase que por consequência, ao amor. Isso. Para que gastar tempo com amor se não se pode viver duas vezes? Não! O amor não havia de o merecer! Talvez nem o desejasse de qualquer maneira, nunca viria a saber.
E assim seguiu, vivendo cada dia como se não tivesse amanhã. Logo, deixou de ver o ponto de se haver presente, uma vez que já não tinha futuro. Olhava para seus conhecidos (amizade? para quê? a vida acaba e de nada serviu!) e se perguntava o porquê de trabalhar, de estudar, de namorar, de ter uma família. Só lhe importava o agora, a única coisa da qual podia ter certeza absoluta! Bem ou mal, de um dia para o outro poderia acontecer um desastre natural, poderia haver uma guerra, uma epidemia e então todo o trabalho duro já de nada teria servido.
Muito pelo contrário. Teria que viver o resto da vida lembrando que tudo tivera, que tudo conquistara. Teria que tentar esquecer as pessoas que perdera, se alguém perdesse.
Mas a vida é hilariante e também aqueles que não esperam ou desejam recebem cada dia um amanhã. E este amanhã veio. Veio cheio de tarefas, de obrigações sociais, de necessidades novas e mais desafiadoras. E estas foram novamente rechaçadas e arremessadas contra um futuro que, inevitavelmente, terminaria num corpo apodrecido.
E vieram outros amanhãs, quem diria. Mas quando o amanhã chegava, surpreendentemente, ele já era hoje! E o dia de hoje só pode ser louvado e aproveitado. Bem ou mal, nunca se sabe se se viverá um novo amanhã.
(Não, meu caro leitor, até hoje nunca ouvi falar de alguém que tenha vivido um amanhã. Num geral as pessoas tendem a viver os hojes, deixando os amanhãs sempre para depois, data tão próxima que nunca chega.)
Um certo dia os amanhãs acabaram. Nem coração continuou a bater nem pulmão continuou realizar trocas gasosas nem. Nada. E, pela primeira vez, curiosamente, aquele hoje virou ontem.
Ontem é um dia curioso. Ele fica um dia antes de hoje, mas, passado um dia, ele fica mais distante.
E tal ontem foi envelhecendo, ficando pra trás na sua sina imbecil de sempre correr atrás do hoje sem nunca o alcançar.
(Curiosamente, também o hoje o ontem persegue, por vezes, e, condenado a nunca parar, só faz distanciar-se.)
E tal ontem foi esquecido.
Esquecidos foram os feitos históricos, as cervejas bebidas, as festas frequentadas, as garotas beijadas. Esquecidos foram os sorrisos nem sempre reais, as piadas nem sempre engraçadas, as conversas quase sempre dispensáveis.
Esquecidos também foram os arrependimentos, é bem verdade. Bem ou mal as pessoas sem amanhã tendem a eliminar também seus ontens.
Depois de completamente esquecido, sem ninguém a lhe lembrar o nome, ou comentar os feitos inconsequentes e inúteis, sem ninguém a lhe querer de volta, pode-se dizer que o seu ontem já nem ontem era.
O ontem, bem ou mal, é fundamental para a chegada do dia de hoje, sendo uma etapa absolutamente necessária para este. Sendo assim, quando o ontem já nenhuma relevância tem para o hoje, ele deixa também de ser ontem para se tornar um nada.
Esse tal nada, porém, tem nome! Chamo-o vida.
Perfeitamente justificável este nome, uma vez que essa vida foi formada pelos mesmos ontens que já formavam o nada que não merece ser chamado de passado.
O morto se encontra agora aqui do meu lado. Não lhes havia dito antes, não havia necessidade. Parece incrédulo. Não sabe bem o que sou.
"É Deus?" diz. Talvez duas palavras sejam o máximo que consegue colocar numa frase. Deus é uma palavra longa, quatro letras.
Respondo que não. Só o escrevi! Mais nada. Por mim foi criado, seu mundo se assemelha ao meu.
Parece indignado. Então não passou de personagem o tempo inteiro? Escrito ainda por cima, que vergonha! E quem o iria ler hoje em dia?
Olha pra mim com um orgulho desafiador.
"Só se vive uma vez!", diz com uma pompa idiota de quem fala uma verdade universal da qual é o único conhecedor, que lhe justifique os erros e falhas. Que lhe justifique a própria morte. Na verdade tenho um pouco de pena.
Confirmo sua afirmação. "É", digo. Só. Faço um olhar de condescendência. Bem ou mal, está morto!
Mal sabe ele que a verdade é mais densa. Se soubesse talvez fosse diferente. Mas não está de todo errado. Não se pode viver duas vezes.
Só que nem sempre se vive uma vez inteira...