sábado, 2 de novembro de 2013

Texto: De passagem

Levaria tudo o que é passageiro para dar uma volta comigo, mas,
por faltar espaço,
te deixo na calçada
esperando
plantada
de modo que ainda posso te avistar no meu retrovisor
(sozinha e embaçada).
Na verdade:
Levo muito pouco.
Um ou dois dons
uns CDs velhos e riscados
um Ray-Ban preto que esconda meus olhos tão fáceis de ler e
(quem sabe)
um ou outro amor que possa consumir na viagem.
Na verdade:
Deixo para trás tudo o que me faria falta
e só levo ao meu lado
(companheira cruel)
a saudade
(que nem passageira é).
Te vejo ao olhar para trás
me indecido de continuar.
Seus olhos invadem os meus.
Pedem carona.
Mas seus pés são mais práticos e te fazem virar a esquina.
Sigo.
Levaria tudo o que é passageiro para dar uma volta comigo, mas,
se tudo levasse,
já não precisaria voltar.
Então te deixo na calçada
esperando
cansada
e sei que na verdade não vai me esperar.
Olho pra trás
te vejo andando.
(Acho que só queria parar o carro
descer
olhar nos teus olhos
e decidir se meu coração voltava a bater
numa frequência alucinada
em sua direção)
Sigo em frente.
Só olho para trás.
Meu maior medo é me encontrar por aí
E me perder na falsa certeza de que posso ser completo e só ao
 mesmo tempo.
Levaria tudo o que é passageiro para dar uma volta comigo,
mas a vida é passageira
e,
se a gente não priorizar as coisas erradas
pode ser que elas passem sem a gente nem perceber.
No fim:
Não levo nada.
Vou vazio.
Só.
E incompleto.
Deixo atropelados no meio da rua os meus sonhos
e você pasma na calçada.
Tento não olhar para trás
acabo não olhando para frente.
Comigo só levo uns sabores.
Uns tons e umas cores.
Dons e amores.
E ao fim do dia
depois de tudo
(e antes de todo o resto)
sonho com um dia no qual não esteja só de passagem
e possa parar o carro,
descer
e desfrutar de tudo o que não é passageiro
com a certeza de nunca poder ser eterno
e a paradoxal percepção de que sou
(e serei)
para sempre
infinito.

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