domingo, 19 de janeiro de 2014

Texto: Anacrônico

Estou cada vez mais convencido de que você é uma dor crônica. O pensamento me surgiu numa manhã qualquer em que acordei com a alma doendo do sonho que recém-acabara e achei tal dor um tanto quanto fora de tempo, anacrônica. Me veio como única explicação a possibilidade de você não ter sido dor isolada, mas sim ser dor crônica que venha a me perseguir ainda por algum tempo.
Agora pensando bem, pode bem ser que no momento em que você rompeu nossa ligação eu tenha acabado por romper algum ligamento dentro da minha mente ou do meu coração. Ou dos dois. Ainda não me decidi qual dos órgãos culparei pelos sentimentos que, num geral, preferia não ter. Talvez culpe os dois. Daí eles que se decidam em como vão dividir a culpa e eu não tenho que me preocupar em não magoar ninguém.
Sabe, às vezes eu queria que você fosse só uma dor nas juntas. Daquelas que ainda por cima ajudam na previsão do tempo, coisa de velho mesmo. Mas você insiste em ser essa dor chata, daquelas que a gente demora um pouco pra encontrar o foco, tem que ficar tateando por um tempo, sei lá. Vai ver a dor sou eu e é você quem me sente, periodicamente, cada vez um pouco mais forte. Umas pontadas de Eu na sua alma. Ou no seu corpo. Ou nos dois. A parte do corpo soou meio errada. Pontadas de Eu no seu corpo. Hahaha. Que sujo.
Eu li em algum lugar que quando se tem uma parte do corpo amputada você ainda sente essa parte por um tempo. Tipo, coçando, sei lá. Por quanto tempo será que você sente quando um pedaço da sua alma se levanta e sai sem nem dizer adeus?
Talvez tenha dito adeus. É. Não sei. Acho que o problema é que o seu adeus tem sido um tanto quanto até logo. Daí a gente fica pensando. Eu fico pensando. Não sei porque tenho essa mania de me colocar no plural. Vai ver veio junto com a mania de te colocar em segunda pessoa!
Nem tinha percebido! Porque te coloco sempre em segunda pessoa? Não estamos dialogando (hahaha. haha. ha. ha. ha. #risadadeprimidadequemgostariadeestardialogando). Não sei, vai ver que quando você deixou de ser parte de mim eu acabei por te transferir para segunda pessoa, uma vez que é mais perto da primeira do que a terceira. Não sei se essa frase fez sentido. Na minha cabeça fez.
Bom, vou encerrar aqui. A dor é crônica mas o texto é bem anacrônico. Vai ver meu tempo parou e ninguém percebeu. Vai ver, não sei. Qualquer dia a gente se cruza na rua, sei lá. Eu olho bem nos seus olhos, percebo que você vai fingir que não me conhece e finjo não te conhecer também, pode deixar. Provavelmente olho pra trás, paro e fico te vendo andar. Se passar uma velhinha ainda pode ser que me chame de tarado. Talvez murmure uma despedida. (Eu, não a velhinha.) Talvez uma maldição. (Ainda eu.) Um xingamento. (Eu. Mas talvez também a velhinha.) Vai depender do humor. Mas essa dor que ainda não tive, de te ver andando pra longe sem olhar pra trás, dói muito. Ou doerá muito. Sei lá. Lembre-se de colocar meu coração no correio quando chegar em casa. Eu fico na torcida para que este se extravie por aí. Não quero me dar ao trabalho de consertar o estrago que você fez nele.

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